Diferenças entre Birras e Crises

Hoje vamos falar sobre a diferença entre as birras infantis e as crises que acontecem com as pessoas com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

Inicialmente, esses dois comportamentos, as birras e as crises, parecem ser iguais, mas existem algumas diferenças pontuais.

Quem nunca presenciou uma criança fazendo birra em um local público como shoppings e restaurantes? Esse comportamento é bastante comum e costuma acontecer quando a criança está descontente ou frustrada com alguma situação.

Vamos citar aqui algumas características da birra:

  • É uma atitude é intencional
  • É usada como estratégia, já que a criança está querendo algo que lhe foi negado e se sente frustrada.
  • Outra característica da birra é que se a criança ganhar atenção, ela continua com o comportamento. Ela entende que está recebendo atenção por isso. É bem provável que ela irá repetir o comportamento depois em outro momento para conseguir atingir o mesmo objetivo.
  • Se ignorada normalmente a birra  diminui. Mas isso não significa que temos que ignorar o comportamento, pois precisamos tomar cuidado para uma birra não virar uma crise. Isso pode acontecer. O ideal é conversar com a criança, mostrar pra ela que ela apresentando aquele comportamento não vai funcionar, mas não é ideal ignorar, abandonar a criança sozinha por exemplo.

Esse comportamento de Birra é mais frequente em crianças pequenas com idade entre 2 e 5 anos.

O ataque de birra começa muito antes dos berros e do choro. Geralmente começa com uma manha, um pedido que não pode ser realizado, ou por conta do sono e cansaço.

É preciso ter em mente que o cérebro de uma criança na primeira infância ainda não se desenvolveu por inteiro, além dela não dominar completamente a linguagem verbal.

Por isso, elas não conseguem ainda lidar com as frustrações surgidas em sua vida. E o papel dos pais é ensinar e mostrar que as frustrações acontecerão sim e a criança precisa aprender a lidar com isso.

Se você já se perguntou por que seu filho faz birra, saiba que não está sozinha. As pesquisas revelam que cerca de 20% das crianças apresentam algum tipo de birra pelo menos uma vez por dia. E de 50 a 80% têm birras pelo menos uma vez por semana.

Mas, os pais devem ficar atentos se essas birras não indicam algum transtorno de neurodesenvolvimento, assim como ocorre com quem tem o Transtorno do Espectro do Autismo. Muitas vezes o que a criança está apresentando é uma crise e não birra. Então é importante sabermos diferenciar birras de crises.

Muitas crianças, jovens e adultos também, com o Transtorno do Espectro do Autismo podem apresentar crises devidos a questões sensoriais, já que muitos autistas apresentam também o Transtorno de Processamento sensorial (TPS).

As habilidades sensoriais dos autistas podem ser ineficientes. Sabe-se que os estímulos sensoriais não são registrados adequadamente e também não são modulados de forma correta pelo cérebro da pessoa. A pessoa pode apresentar uma hipossensibilidade ou hipersensibilidade.

Essas alterações sensoriais podem ser visuais, podem ser auditivas (por exemplo a criança não suporte ambientes com muito barulho e fica tapando os ouvidos), olfativas, vestibular (que está relacionado com a sensação de movimento principalmente da cabeça por exemplo se a criança é hipossensivel na questão vestibular ela normalmente vai pular, ficar rodando, girar ao redor do corpo), pode ser gustativas, tátil, em relação ao toque, temperatura. Então todas essas questões sensoriais podem se apresentar de diferentes formas e intensidades.

A crise do autista é conhecida também como colapso. Algumas características das crises:

  • Não é intencional ou realizada como uma estratégia para chamar a atenção.
  • Ela é uma resposta de um limite que o autista chegou. Ou seja, o autista esta se expressando, mostrando que algo não está agradando, não quer dizer que ele quer aparecer ou chamar a atenção, diferente das birras.
  • Pode acontecerdevido a um estímulo sensorial
  • A crise passa depois de um desgaste emocional.
  • Pode apresentar sintomas antes das crises, como balançar o corpo por exemplo.

Crianças com autismo podem ser sensíveis à estimulação sensorial. Conviver em um ambiente ou situação com muito ruídos, cores, luzes e atividades ao seu redor pode ser muito estressante. Eles podem se sentir sobrecarregados e em pânico. E atualmente há muita sobrecarga de informação, o que também pode causar essas crises nos autistas. Isso porque muitas informações chegam muito rapidamente e os autistas precisam de mais tempo para processá-las.

Além disso, para uma criança não-verbal ou com habilidades verbais limitadas, a frustração de não conseguir se comunicar pode provocar raiva ou um colapso. As mudanças na rotina também são um dos fatores dessas crises, uma vez que a necessidade de previsibilidade é alta para crianças e adultos com autismo. As mudanças repentinas podem criar pânico, estresse e colapsos.

Por isso, quando um autista está em uma crise é porque ele está tentando reestabelecer o equilíbrio, estabilizando as suas emoções. E nem todos os colapsos são parecidos. Há uma variedade de comportamentos que pode ocorrer.

Alguns podem chorar, xingar, gritar, jogar coisas, bater em si mesmos ou nos outros, fugir das pessoas ou morder. As crises podem durar de minutos a horas.

As birras desaparecem lentamente quando a criança cresce, mas as crises podem nunca desaparecer. 

O que pode ser feito para ajudar um autista que está passando por uma crise ou então para evitar que elas aconteçam?

É importante destacar que a crise costuma passar depois de um desgaste emocional. Mas, os pais podem tentar acalmar a criança ou adulto e afastá-las daquilo que gerou a crise. Tentar também propor atividades que ela goste de fazer.

É preciso também dar um tempo para que o autista se recupere daquela informação ou sobrecarga sensorial. Também é importante que os pais reconheçam os gatilhos das crises, para evitar um novo episódio.

Se for possível é interessante conversar com a criança, compreender o que ela sente para encontrar uma solução junto com uma equipe de profissionais. O autista precisa se sentir acolhido, reconfortado e estar em um ambiente tranquilo. 

Vale também anotar cada vez que a criança tem uma crise para ajudar a entender as razões daquele comportamento.

É importante perceber o que a chateou e quais são os sinais de estresse que ela deu. Depois fica mais fácil para compartilhar as suas percepções com a Terapeuta Ocupacional e a equipe multiprofissional que acompanha a criança. Essa é a melhor forma de encontrar os recursos para administrar um colapso.

Então você pode fazer uma tabela de comportamento, e anotar o antecedente, que é o que aconteceu antes da crise, o que ela estava fazendo, o que desencadeou a crise? Dessa forma você conseguirá muitas vezes prever crises e evita-las.

Os sintomas antes da crise podem incluir balançar o corpo, ansiedade, pedir para sair daquele local, querer sair correndo do lugar, falta de ar, insegurança, sudorese, entre outros.

Lembrando que uma pequena mudança na rotina pode desencadear crises em pessoas autistas. Por isso, é importante ter uma rotina e horários definidos para que o autista se sinta seguro e no controle de seu ambiente. 

Outra questão importante é garantir a segurança do autista durante a crise. É comum que ele se machuque ou machuque as pessoas que estão próximas de forma involuntária.

Por isso, é necessário ter uma estratégia para esses momentos e não entrar em desespero, perder a calma ou gritar, pois isso pode piorar a situação.

Podem se necessárias algumas mudanças no ambiente em que o autista passa a maior parte do tempo para evitar os gatilhos. Por isso, é melhor evitar os ruídos altos, luzes, temperaturas elevadas e fazer o que for possível para deixar o local calmo e agradável.

É importante também que durante uma crise, a criança ou adolescente possa ter privacidade e não ser exposta. Os pais devem conversar com os professores e diretores da escola para comunicar a possibilidade de crises durante as aulas e instruir o que deve ser feito.

Agora, se você está presenciando uma birra ou uma crise, tenha empatia por aquela pessoa. Ou seja, se coloque no lugar do outro e veja a situação sem julgamentos.

Tanto para os pais quanto para os autistas, aquela situação é bastante difícil e eles merecem ser respeitados e se sentirem acolhidos pela sociedade.

Para os pais de autistas, vale destacar que uma criança ou jovem com autismo não pode controlar seus colapsos, por isso não deve ser punida por esse comportamento. A punição ou castigo pode fazer com que isso piore a situação e eles sintam vergonha, ansiedade, medo e ressentimento. Então não deve ter punição.

Compreender todo esse processo é essencial para que diminuam os episódios e a intensidade das crises e, mais uma vez, contribuir para uma melhor qualidade de vida.

Pode levar algum tempo para identificar o que funciona melhor para cada pessoa, não há uma fórmula para todos, mas é importante não desanimar e buscar ajuda profissional para garantir o bem-estar da pessoa com o TEA.

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Dra. Fabiele Russo

Neurocientista, especialista em Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Pesquisadora na área do TEA há mais de 10 anos. Mestre e Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) com Doutorado “sanduíche” no exterior pelo Departamento de Pediatria da Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD). Realizou 4 Pós-doutorados pela USP. É cofundadora da NeuroConecta e também, coautora do livro: Autismo ao longo da vida.