Epilepsia e Autismo: há relação?

Qual pode ser a relação que existe entre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e a epilepsia?

Se você tem alguém na família no espectro ou tem interesse em saber informações sobre o transtorno, já deve ter ouvido falar nesse assunto que, mesmo para a ciência, ainda é considerado complexo. Vamos agora compreender de que maneira essas condições podem estar integradas, conforme já apontado em diversos estudos.

Um ponto em comum que se pode citar é que ambas condições – TEA e epilepsia – compreendem um transtorno que tem conexão com o cérebro. A epilepsia – que significa “transtorno convulsivo” por ser marcada por crises convulsivas ou convulsões recorrentes – é o quarto transtorno neurológico mais comum e afeta pessoas de todas as idades. Trata-se de uma doença crônica, cuja marca registrada é a ocorrência de convulsões não provocadas – ou seja, sem uma causa aparente, como uma queda, baixa de açúcar no sangue e outros. Uma pessoa é diagnosticada com epilepsia se já teve duas convulsões neste perfil. As convulsões na epilepsia podem estar relacionadas a uma lesão cerebral ou a uma tendência familiar, mas muitas vezes a causa é completamente desconhecida.

Quando falamos em Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é preciso compreender que também trata-se de um distúrbio neurológico, multifatorial, que pode ter suas causas ligadas à aspectos genéticos, hereditários ou não e, até mesmo, à fatores ambientais. Esta condição pode ocasionar desafios sociais, de comunicação (verbal ou não) e comportamentais.

Desde que foi utilizado pela primeira vez o termo “autismo” – o que ocorreu próximo do ano 1908, houve uma grande evolução na ciência e nas ferramentas que a medicina pode lançar mão para diagnosticar e tratar este indivíduo, possibilitando o desenvolvimento de habilidades para que ele alcance o máximo de seu potencial intelectual, psicológico e cognitivo, podendo assim levar uma vida digna e, em sua maioria, com autonomia e independência para realizar suas atividades ao longo da vida.

Por que a epilepsia pode estar associada com o TEA?

O estudo “Fisiopatologia da epilepsia em distúrbios do espectro autista” que como são condições extremamente heterogêneas, isso torna improvável que um único mecanismo comum explique a predisposição de convulsões em ambos os distúrbios. Pesquisas genéticas recentes apontam para numerosas e diversas mutações genéticas que têm autismo e epilepsia como sequelas. Uma das possíveis explicações apontada pelos pesquisadores neste artigo indica que tanto a epilepsia quanto o autismo envolvem uma sincronia anormal de sistemas no cérebro ligados às sinapses (conexões entre os neurônios).

Embora seja possível que a epilepsia possa causar autismo, e vice e versa, a visão científica atual é que existem mecanismos neurológicos compartilhados que contribuem tanto para o TEA quanto para a epilepsia, conforme aponta a Epilepsy Foundation.

A convulsão, característica da epilepsia, pode ser considerada a complicação neurológica mais comum em quem tem TEA. Estima-se que quase um terço das pessoas com TEA pode apresentar epilepsia. É considerada mais frequente em crianças menores de 5 anos de idade e adolescentes.

Entre os fatores de risco para a epilepsia no TEA é possível citar o retardo mental, comprometimento motor e a idade que se deu o início das convulsões.

Outro aspecto é que algumas das alterações cerebrais do desenvolvimento associadas ao autismo também contribuam para convulsões. O diagnóstico de epilepsia em quem tem TEA pode ser desafiador, visto que pessoas com autismo têm dificuldade em reconhecer e comunicar seus sintomas.

Entre os sinais importantes a se notar, destacam-se:

  • Mudança no olhar inexplicada
  • Estiramento dos músculos
  • Movimentos involuntários de membros do corpo
  • Também pode haver algum distúrbio do sono, irritabilidade e agressividade sem explicação e regressão do desenvolvimento alcançado

O que pode ser feito? 

A epilepsia associada ao TEA possui o mesmo modelo de gerenciamento de convulsões em geral. Entre os aspectos indicados pela Epilepsy Foundation temos:

  • Avaliação médica com imagem cerebral e EEG (eletroencefalograma)
  • Medicamentos antiepilépticos para tratamento
  • A terapia adjuvante não farmacológica pode ser considerada se os medicamentos não alcançarem a resposta desejada (por exemplo, dieta cetogênica, estimulo do nervo vago)
  • Tome medidas de segurança para evitar engasgos e sufocamento. Procure manter distantes objetos grandes para evitar lesões.

Caso seu filho (a) tenha autismo, lembre-se: nem todas as crianças terão epilepsia. O importante é compreender o assunto e sempre conversar com o médico e a equipe de profissionais – preferencialmente também com um neurologista pediátrico – que o acompanham para se sentir seguro para que, se for necessário, lidar com a situação.

Referências

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Stafstrom CE, Hagerman PJ, Pessah IN. Pathophysiology of Epilepsy in Autism Spectrum Disorders. In: Noebels JL, Avoli M, Rogawski MA, et al., editors. Jasper’s Basic Mechanisms of the Epilepsies [Internet]. 4th edition. Bethesda (MD): National Center for Biotechnology Information (US); 2012. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK98169/ Acessado em 9 de novembro de 2017.

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Dra. Fabiele Russo

Neurocientista, especialista em Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Pesquisadora na área do TEA há mais de 10 anos. Mestre e Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) com Doutorado “sanduíche” no exterior pelo Departamento de Pediatria da Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD). Realizou 4 Pós-doutorados pela USP. É cofundadora da NeuroConecta e também, coautora do livro: Autismo ao longo da vida.